quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

SARAU de NATAL dos DESGARRADOS

 Com o amigo Eduardo Rangel

 Com o amigo Eduardo Rangel

Hoje recebi este e-mail do meu grande amigo Eduardo Rangel, aliás, como todos os anos ele faz. Adorei o texto do outro amigo, Eudoro Augusto, que veio anexado ao e-mail do Rangel e merece ser divulgado pois, nele está contido com muito humor, um pouco da maravilha que é o já famoso evento batizado pelo Eduardo como o "Natal dos Desgarrados".
Obs.: Por motivos obvios, foi omitido o endereço do Eduardo.

Amigos, só pra lembrar que esse ano tem!
"SARAU de NATAL dos DESGARRADOS - SÁBADO, 24/12 - Noite de Natal.
Aquele esquema simples: cada um pega uns bebíveis e/ou comíveis, violões, flautas e ganzás... E cai pra cá!!!
(O Sarau de natal é uma piedosa festa 'ecumênica' que visa salvar do tédio as pobres vítimas dos presépios e amigos ocultos.)
Amigos chegarão às 21h, desgarrados meia noite, enjeitados duas, três, quatro... obs. não garantimos nozes após as seis.
O endereço é ...
Beijos e Feliz Natal!

O PRESÉPIO VIVO DE RANGEL
Eudoro Augusto
Tem anos que nada peço a Papai Noel. Mas meu ultimo desejo ele não pode negar. Não quero morrer sem passar mais um natal na casa do Rangel.
Ainda não incluído no calendário oficial da UNESCO, o Natal dos Desgarrados, criado e promovido por meu amigo Eduardo Rangel, compositor, vocalista e observador internacional, vem crescendo ano após ano em freqüência, continuidade, elenco e trilha sonora.
Artistas, pré-artistas, pós-artistas, músicos, jornalistas, intelectuais e assemelhados se acotovelam cordialmente pelos recantos e desvãos do evento.
São pessoas amigas, bonitas, agradáveis, educadas. Não há correria quando criados pressurosos saem da cozinha, com olhos arregalados e patês fumegantes. Ninguém atropela ninguém na fila do banheiro, sempre impecável, diga-se de passagem.
No primeiro ato, artistas e platéia, ainda presumivelmente sóbrios, dão o melhor de si no palco natural que se forma ao redor do lendário piano de Eduardo. Só Deus sabe quantas melodias já brotaram daquele teclado... Quantas mimosas bundinhas já pousaram naquele mitológico banquinho giratório...
"Jingle bell, jingle Bell, acabou o papel. Não faz mal, não faz mal, sobe no Borel..." No natal de 2002, um grupo de turistas cariocas foi educadamente convidado a se retirar por insistir em entoar, desafinada e esganiçadamente esse vulgar e inconveniente refrão. Sutileza, discrição e elegância são atributos indispensáveis para participar do Natal do Rangel.
Além da inesgotável ciranda do palco e do pequeno anfiteatro que o circunda, a grande atração é o presépio, a cada ano diferente. Para decepção de muitos, a Virgem Maria habitualmente se retira cedo, levando nos braços o Menino Jesus, que já boceja e se mostra contrariado, proibido que foi em transformar a água em vinho. Todos lamentamos mais essa portaria arbitrária do Buriti, já que o milagre certamente transformaria a festa num chafariz de emoções.
São José, quase sempre às voltas com crises de bursite, raras vezes comparece. E nos últimos anos os Reis Magos passaram a enviar as oferendas por SEDEX: uma caixinha preta, uma caixinha branca e uma caixinha dourada. Segundo o porta voz da casa, que prefere não se identificar, os presentes seguem a tradição: ouro, incenso e mirra, não necessariamente nessa ordem.
Por paradoxal que pareça, a ausência da Sagrada Família dá novo ânimo ao presépio. Os pastores se agitam, as vaquinhas abanam o rabo, as ovelhas negras retocam a maquilagem e um frisson de luxúria percorre a ruidosa manada de cabritinhas.
Seqüências de forte impacto abrem o segundo ato. O presépio invade o palco e o transforma em vertiginoso carrossel. Aí tem de tudo, até cineastas. Bertolucci não chegou, retido que foi por um importuno e desconfiado bafômetro. Mas Pio Gomes é esperado a qualquer momento.
As cenas maias picantes ocorrem geralmente na cozinha, onde Eduardo guarda os temperos fortes. Não há registro, no entanto, de qualquer ocorrência de intoxicação ou assédio abusivo. O famoso caso de Ramona, em 2001, foi apenas um episódio de carência convulsiva.
Poucos lembram da presença de Sheik Mohammed Ben-Gaddi, em 2004. Dono de alguns dos mais produtivos poços de petróleo do planeta e recém-separado de seu primeiro harém, o líder muçulmano em viagem de negócios (passou por S. Paulo) e lazer (uma semana no Rio) comentou com a imprensa local o fracasso de seu primeiro casamento, por ele atribuído ao elevado número de esposas. "Eram 84 mulheres, metades das quais escolhidas por meu pai. Uma canseira. Não podia dar certo... "E agora?" Perguntou aquela afoita estagiária. "Agora, quero um casamento mais tranqüilo. Não estou dizendo que serei monogâmico. Mas pretendo reduzir os gastos com roupa de cama, farmácia e lavanderia, atendendo a um pedido do Conselho Islâmico de meu país."
Ben-Gaddi passou duas horas na festa, observando com olhar arguto a abundante paisagem feminina, da soprano de seios fartos à cabritinha de pernas delgadas. Após breve reunião a portas fechadas na Biblioteca, com o atônito mas impassível Eduardo, o sheik partiu em sua limousine negra rumo ao aeroporto. Mais tarde soubemos que ele decolou nessa mesma noite de Brasília para Salvador. Ali, num ímpeto movido a cachaça e dendê, arrematou um lote de 22 jovens e buliçosas baianas, iniciando assim seu segundo harém. Com considerável redução de gastos.
Em 2005, o CED (Conselho Ético Dos Desgarrados) suspendeu os atos de acrobacia erótica, após lamentável incidente envolvendo a contorcionista romena e o levantador de pesos falsos, da delegação mexicana. Nada disso, entretanto maculou o prestígio e a imagem da festa.
Na edição de 2007, lá pelas 4 da manhã, fui surpreendido por um caudaloso banho de vinho tinto. Preferia branco, ainda mais porque estava de roupa clara. Mas, para surpresa geral da mesa, não reclamei. Não protestei, não xinguei, não estressei. Em qualquer outra circunstância, teria chegado às raias da loucura. Não ali. Apenas me levantei devagar, com o mais amarelo sorriso que encontrei no cinto de utilidades, na reserva especial da hipocrisia social, e fiz um afago na moça. Afinal, ela era bonita e eu tinha ido de carona com ela. Naquele momento me senti plenamente embebido do espírito natalino.
Naquela madrugada não ouvi o canto do galo. Será que o comemos na ceia? Claro que não. A cantoria é que está forte. Mais ou menos nessa hora, minha querida amiga Sônia levanta-se da mesa e se dirige em passos firmes para um taxi que ninguém sabe, ninguém viu. Se fosse outra pessoa, eu diria tratar-se de uma ilusão de vodka, mas Sônia só bebe cerveja. Mais tarde, em depoimento exclusivo ao BOM-DIA, DF, um dos pastores do presépio, que havia saído para queimar uma ponta na beira da estrada, confirmou a existência do veículo. "Era um taxi grande e amarelo, semelhante aos de Nova York, mas com placa de Jericó."
Só posso lhes dizer que quem não conhece o Rangel e o Natal dos Desgarrados, não sabe o que é festa, não conhece a grandeza e a fragilidade do ser humano, não gosta de música, despreza o prazer, não sabe de nada. "Quem sabe de tudo não fale, quem sabe nada se cale, se for preciso eu repito." E vou repetir, não com minhas palavras, nem com os versos de Paulinho, mas com o depoimento emocionado de um viajante veneziano, que me segredou antes de desfalecer: "Comparado ao Presépio de Eduardo Rangel, a Terça de Carnaval na Ladeira do Pelô parece uma reunião de senhoras rotarianas, numa casa de chá em Curitiba."

Eudoro Augusto - 01.01.2009